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MOVIMENTA BAURU: A história de como o movimento estudantil (não) foi construído na USP Bauru.

Como em todas as construções humanas, os motivos que nos levaram a dizer “Nós não podemos mais nos calar” são diversos, complexos e únicos para cada uma de nós, mas, sem dúvida, a revolta comum com a maneira com que o Movimento Estudantil se articulava na USP, e, mais ainda, com a maneira com que ele não se articulava no campus de Bauru, foi a principal causa do surgimento do coletivo, em 2010 que nomeamos de MOVIMENTA BAURU.

E surgimos.

Em, 2011, com apoio do Centro Acadêmico XVII de Maio, do qual a Camila ‘Peste’ e eu (Camila  ‘Curinthia’) fazíamos parte da gestão (como tesoureira e vice-presidenta, respectivamente), o Movimenta Bauru apresentou-se explicitamente à comunidade USP Bauru e ao mesmo tempo ao Movimento Estudantil, quando fizemos parte de um lamentável episódio de repressão por parte da diretoria da FOB USP ao proibir, censurar e ameaçar-nos quando espalhamos cerca de meia dúzia de cartazes, confeccionados em folha sulfite, com os dizeres ‘FORA RODAS’ pelo campus. Na ocasião o coletivo ganhou apoio de diversas entidades, porém, foi massacrado dentro do campus, com coordenação e apoio aos ataques vindos dos próprios professores.

Apesar da aversão, muitos alunos mostraram-se interessados e apoiadores às ideias que o Movimenta defendia.

Surgiu então a necessidade de delimitarem-se objetivos a alcançar e caminhos a percorrer, e foi assim traçada a meta de inserir o discurso político e contestador no cotidiano dos estudantes de Bauru e, ao mesmo tempo, mostrar que há um jeito diferente de militância, que não existe a obrigatoriedade de um curso da área de humanas para que exista um movimento de estudantes, de que não é preciso usar um linguajar restrito e segregador para falar de esquerda.

E conseguimos.

Quando assumimos a gestão do Centro Acadêmico no final de 2010, praticamente nenhum aluno sabia sequer o que era um centro acadêmico, era comum afirmarem que o c.a. era um prédio – isso porque temos uma sede,  cedida pela FOB, que fica longe do campus. Hoje, com a nossa saída, os alunos estão se articulando para tentarem montar uma chapa de gestão do c.a. Ainda que não seja da maneira que acreditamos que deveria ser, vemos com bons olhos o interesse do aluno de Bauru; antes alheio e alienado às questões da Universidade e da sociedade, agora, ao menos, tentando se inserir nas organizações estudantis.

Ainda que não tenhamos conseguido trazer a comunidade FOB para a militância de fato, conseguimos realizar diversas atividades dentro e fora do campus, como mostras de vídeos, grupos de discussões, intervenções culturais e articulações com outros grupos de Bauru, como o movimento estudantil da UNESP.

Obtivemos apoio e admiração por parte de alguns grupos de alunos e funcionários.

E veio a repressão.

A perseguição política por parte da diretoria e gestores que sofremos, como resposta às nossas ideias, encontrou no perfil do aluno de Bauru submissão e medo necessários para que fossem acatadas as ideias de ódio e revolta contra quem ousasse trazer para Bauru as ‘imundices desses estudantes de humanas’, no caso nós, a Peste e a Curinthia.

Sem exceção nenhuma, todos os apoiadores que costumavam participar das reuniões e atividades propostas pelo Movimenta Bauru foram ou subornados com bolsas de pesquisa ou de intercâmbio, ou ameaçados de reprovação, sendo necessário que mudassem sua postura.

Em contrapartida, os alunos que se mostraram, desde o princípio, contrários ao coletivo (alunos do curso de odontologia, principalmente) foram encorajados e incitados a negar, reprimir e deslegitimar violentamente o movimento de estudantes. E quando digo violentamente, é exatamente o que quero dizer: agressões fortíssimas – estranhamente feitas apenas por facebook, nunca pessoalmente –  como, por exemplo, nos sugerirem trocar de curso, ao invés de pretendermos acabar com a paz de Bauru, ou me mandarem cuidar dos meus dois filhos, pois essa deveria ser minha preocupação.

A ideia de que somos o campus USP perfeito, de que aqui não há problemas, e de que os problemas dos outros não eram nossos fora quebrada, e trataram logo de tentar reconstruí-la, de tentar impedir que mais alguém dissesse isso.

Os boicotes foram muitos:

– no começo de 2012, quando assumi a presidência do centro acadêmico, fui proibida de sentar a mesa para recepcionar aos calouros (ato tradicional, no primeiro dia de aula, junto a outras pessoas representantes da comunidade USP Bauru)

– também fui proibida de participar do hasteamento da bandeira no dia do aniversário da faculdade, outra tradição por aqui.

-Quando o curso de fonoaudiologia passou por avaliação, no primeiro semestre de 2012, apesar de a Camila Peste ser representante discente do departamento de fonoaudiologia, e eu ser a representante discente do curso de fonoaudiologia na Comissão de Graduação e na Congregação, fomos proibidas de conversar com as avaliadoras.

-Enquanto morávamos no CRUSP havia um ‘caderninho’ específico para anotar os movimentos das Camilas.

-Ainda no primeiro semestre, sofremos processo administrativo com intuito de expulsão do alojamento. Após ameaça de sindicância, fomos gentilmente convidadas a nos retirar do CRUSP, quando fomos contempladas com o auxílio-moradia (mesmo havendo muitas vagas ociosas no alojamento).

– Por um período de cerca de quatro meses, passaram a não nos mandar as pautas e atas das reuniões que deveríamos participar como representante discente.

– A Peste, representante discente na Cog, apesar de procurar o professor presidente da Comissão de Graduação antecipadamente para poder acompanha-lo nas viagens até São Paulo com carro e motorista da USP, todo mês era ‘esquecida’ aqui por Bauru, e quando não era deixada para trás sofria retaliações das professoras, por ausentar-se do estágio ou da aula.

-A USP Bauru recebeu um prêmio pela Semana de Recepção aos Calouros, que deveria ter sido entregue ao centro acadêmico, mas foi recebido às escuras pela direção da instituição.

-Recebíamos ameaças diretas de reprovação em algumas disciplinas, caso não nos preocupássemos apenas com a graduação.

-Também nos ameaçaram que colocariam em nosso histórico a nossa subversão.

-No último sábado, ao chegarmos no prédio do c.a. fomos proibidas de ali entrar. O segurança chamou reforços e nos explicaram que as Camilas da Fono estavam proibidas de acessar o espaço – apesar de sermos da atual gestão do centro acadêmico.

Enquanto o clima de tensão se espalhava perdíamo-nos na falta de ‘braços’ e de ‘cabeças’ para construir o que quer que fosse em Bauru. Além de perdermos apoio interno, pois os simpatizantes simplesmente amedrontaram-se, não encontramos apoio externo para construir um movimento de luta contra o que estava sendo praticado, nem para construir trabalho de base, tampouco para defendermo-nos.

Tentamos resistir.

Ao perceber o pânico que representávamos, usamos essa atenção para criar algumas discussões, levantar questões sociais, feministas e educacionais, e incitar que ao menos deveriam ser pensadas. Infelizmente não conseguimos transpor o debate além internet, mas ao menos ele existiu de alguma maneira.

Hoje, ao repensar a trajetória desse projeto chamado Movimenta Bauru, conseguimos enxergar os frutos, pois muitas sementes foram espalhadas, muitos alunos encontraram apoio e sentido em suas próprias ideias ao dialogar conosco, outros tantos nos procuraram para esclarecer dúvidas, para levantar discussões. Atualmente há um clima de contestação, principalmente no curso de fonoaudiologia, muito aquém ainda do necessário ao desenvolvimento do debate, porém inédito até então. Somos referência quando alguém quer saber se determinada imposição é legal ou justa, quando alguém sente algum tipo de violência moral (que é muito forte aqui) ou quando alguém precisa desabafar sobre as injustiças do mundo.

Individualmente, crescemos e fortalecemo-nos muito com essa experiência, e pretendemos dar continuidade a esse trabalho, agora além de Bauru e além do ME.

É realmente triste que não tenhamos conseguido alcançar resultados mais consistentes, mas temos a clareza de termos explorados todas as oportunidades que tivemos e criado as que foram possíveis.

Duas alunas, sozinhas, com pouco apoio externo e quase nenhum interno, fazendo esse alvoroço todo… Tem mesmo alguma estranha nos bastidores desse teatro chamado USP Bauru.

O Movimento Estudantil na USP de Bauru não venceu e não convenceu, e partilhamos nossas conclusões após essa enriquecedora jornada não para explicar o porquê de termos falhado, mas para alertar sobre a necessidade do apoio, do trabalho de base, da troca de experiências e informações entre todo o movimento de estudantes, para que ele se fortaleça de verdade e alcance os tão sonhados objetivos.

Agregar e não dividir.

A luta sempre continua!

Abraços a tod@s.

Curinthia e Peste.