Resposta ao “chamado à unidade”

POR QUE A DIREITA SE FORTALECE NO MOVIMENTO ESTUDANTIL DA USP?

PORQUE EXISTE UM VAZIO POLÍTICO DEIXADO PELO DCE.

Recebemos com respeito o chamado feito pelos coletivos JuntosBarricadas, Domínio Público e A USP que queremos para uma “chapa de unidade” ao DCE da USP. E é com respeito que respondemos aos companheiros e companheiras, e ao conjunto do movimento estudantil da USP, nossa opinião. Esperamos que os companheiros/as encarem essa nota não como uma agressão, mas como uma crítica. Nosso objetivo é colocar na mesa nossas críticas de forma fraterna, no debate de ideias. Há muito é necessário haver no interior do ME da USP esse debate, que os acontecimentos recentes tornaram inadiáveis. Mais do que “chamados”, o momento exige duras (mas fraternas) críticas e autocríticas. É com esse espírito que escrevemos essa nota.

 O movimento estudantil da USP vive um momento de fragilidade. Não consegue responder à conjuntura muito difícil da universidade e de nossa sociedade, o que se evidenciou ao longo deste ano e em especial com os últimos acontecimentos e a entrada da PM na USP. Por isso, é de extrema importância a unidade dos setores com acordo em pontos táticos e estratégicos para uma transformação de nossa realidade.

No entanto, acreditamos que a unidade no Movimento Estudantil deva se dar na prática cotidiana, através dos fóruns e espaços do movimento e, principalmente, na construção das entidades estudantis, articuladoras fundamentais para o fortalecimento do movimento.

Infelizmente, não vem sendo esta a postura preponderante no ME da USP. Ao contrário, a atual cultura política hegemônica  revela um grau inacreditável de sectarismo, iniciativas de sabotagem, indisposição de construção coletiva e, em especial, a autocronstrução em primeiríssimo lugar, em detrimento da contrução do ME como um todo. Não acreditamos que essa lógica possa ser superada a curto prazo e muito menos que ela se dará através de chamados, principalmente sendo eles feitos a um dia da inscrição de chapas.

A prática dos “chamados” vem sendo recorrente no ME da USP. Dela se percebe a ausência de construção coletiva e, em seu lugar, um mero pedido de incorporação a algo imposto a priori. Essa lógica desconsidera as necessidades e concepções dos grupos que compõem o movimento, dos centros acadêmicos e estudantes dos diversos cursos, priorizando apenas o que um ou outro grupo supostamente considera melhor, mesmo que isso se configure de maneira artificial e alheia aos estudantes.

A unidade só pode se configurar em dois contextos: 1 – acordo em torno das tarefas que o movimento tem que cumprir e a maneira pela qual operá-las (conteúdo e prática/conduta); 2 – ameaça real da direita. O argumento que justifica a carta dos companheiros é o segundo ponto. Nada mais justo e correto, afinal, ninguém quer ver a direita no DCE. No entanto, sendo essa a motivação, é mais do que necessário indagar: quais são as causas do fortalecimento da direita no movimento estudantil da USP? Afinal, é necessário combater o problema pela causa, mas, quando não se conhece a causa do problema, corre-se não apenas o risco de não combatê-lo, mas de alimentá-lo.

 Uma das causas do fortalecimento da direita no interior do ME é, sem dúvida, a Reitoria. É o recrudescimento do autoritarismo e da intransigência da Reitoria, sobretudo a partir das gestões Suely Vilela e Rodas, que têm dado ânimo para a direita se organizar e intervir no movimento, no sentido de defender as medidas da Reitoria. E é especialmente o tirano Rodas o responsável pela presença da PM no campus e por tudo o que tem acontecido envolvendo a Polícia na Universidade. Mas essa não é a principal razão do crescimento da direita, afinal, houve gestões de Reitoria tão autoritárias quanto essa (como a gestão Marcovitch), e a direita não se organizou no movimento.

O outro fator para o crescimento da direita é a ação de grupos sectários e inconsequentes no interior do movimento, que, ao agir, dão munição pra direita nos atacar e crescer. No entanto, se esse argumento é verdadeiro, ele é insuficiente. Afinal, sempre houve grupos sectários e inconsequentes no Movimento Estudantil da USP, mas só nos últimos anos é que eles passaram a exercer influência. Há uma questão de fundo, que precisa ser colocada: por que tantos estudantes dão ouvidos a esses grupos e não ao tal “movimento estudantil democrático e combativo” que se faz menção no “chamado”? por que tantos estudantes seguem esses grupos e rechaçam os “conseqüentes”? Os grupos sectários e inconsequentes sempre existiram e sempre tentaram dirigir o movimento, mas nem sempre conseguiram. Por que agora conseguem? A resposta deve ser dita de forma sumária: porque, para muitos, o DCE não é referência política; existe um vazio político deixado pelas gestões do DCE, e o que os grupos sectários fazem é tão somente ocupar esse espaço. Se não houvesse esse espaço vazio deixado pelo DCE, os “consequentes” não seriam rechaçados por tantos estudantes.

 Em verdade, na USP há tempos se rechaça o DCE por causa de sua gestão. Foi o que ocorreu na quinta-feira e nos dias que se seguiram. O que ocorreu foi sintoma da ausência do DCE, que, na verdade, esteve muito presente ao longo do ano, mas muito mais para fazer propaganda de bandeiras dos próprios coletivos que compõem a gestão, ou mesmo propaganda de si mesmos, do que para fazer trabalho de base e organizar as demandas reais dos estudantes. Infelizmente, essa tem sido a tônica desde 2006 – inclusive em 2009, ano em que o coletivo A USP que queremos esteve à frente da gestão do DCE: uma gestão que passou em sala pra falar do Congresso da ANEL, mas se recusou a construir o Congresso dos Estudantes da USP. 

O ponto é que, nos últimos anos, salvo em parte em 2010, o DCE tem deixado um vazio político no movimento porque as gestões têm dado prioridade para a sua autoconstrução. Nesse ponto, entendemos ser relevante expor alguns fatos.

Nós participamos da chapa Todas as Vozes e acompanhamos essa gestão por termos feito uma avaliação parcialmente positiva da gestão anterior e por acreditamos que a atual poderia seguir fortalecendo o trabalho de base e a organização do movimento. Logo no começo da gestão, ainda antes do início do primeiro semestre, propusemos que a prioridade fosse a campanha FORA RODAS. O coletivo majoritário (Juntos!) foi contra. Ora, se os companheiros afirmam no chamado que “o ano de 2011 ficará marcado como um ano em que o projeto de educação pública e democrática foi solapado pela gestão da reitoria da Universidade de São Paulo”e que “João Grandino Rodas, reitor da USP, foi o grande impulsionador de um dos mais duros processos de ataque à universidade pública já visto nos últimos anos“, por que foram contra colocar como prioridade do DCE a massificação da campanha contra o Reitor?

No lugar do combate à gestão Rodas, as prioridades (quase exclusividades) da gestão – sobre as quais não fomos consultados em nenhum momento – foram “15.O” (que mereceu um CCA quase todo apenas para essa pauta), “Fora Ricardo Teixeira”, e a Copa do Mundo. Resta a dúvida: por que essas prioridades, ao invés do combate à gestão Rodas? Caso haja dúvidas sobre o que estamos dizendo, as imagens falam mais do que as palavras: Imagem 1Imagem 2Imagem 3Imagem 4. Essas imagens deixam no ar a pergunta: por que os diretores do DCE gastaram tanta energia este ano para fazer propaganda de si mesmos – ou seja, de seu grupo –, e gastaram tão pouca energia para combater a gestão Rodas? Nesse segundo semestre, houve um debate na EACH sobre a Copa do Mundo, organizado pelo DCE. Durante a atividade, os diretores do DCE estavam com a camiseta do Juntos!, nenhum com a camiseta do DCE, e distribuindo materiais do Juntos!, nenhum material do DCE. Por quê?

Outro ponto a se ressaltar sobre a atuação da atual gestão do DCE foi sua total ausência na construção do I Encontro de Mulheres da USP. Aquelas que estavam à frente da gestão, principalmente as companheiras do Juntas! (mulheres do Juntos!) não realizaram praticamente nenhuma das tarefas para as quais se prontificaram. Em julho, realizou-se o 52º CONUNE e, para isso, a gestão do DCE conseguiu nada menos que cinco ônibus. No entanto, não foi feito o menor esforço para conseguir transporte para as mulheres que viriam do interior participar do EME. Para além disso, a atuação do DCE em coisas como divulgação foi pífia, sem contribuição real, tendo o Encontro sido realizado não só sem a gestão, como apesar dela.

O mesmo grupo de mulheres, como se não bastasse a (não) atuação no Encontro, retirou-se dele no último dia, sem nenhum pronunciamento, com a justificativa de que haveria eleições municipais de seu partido (PSOL). Oras, outros grupos compostos por mulheres do mesmo partido continuaram no Encontro. O que é isso, por parte das companheiras do Juntas!, se não a priorização da auto-construção em detrimento do trabalho de base realizado na realidade concreta das estudantes?

Há um trecho do chamado que soa como uma verdadeira confissão: “É preciso ter sentido histórico do momento em que vivemos  para deixarmos de lado divergências menores, disputas internas e autoconstrução. O sectarismo nesse momento poderá levar o movimento estudantil como um todo – e não apenas um setor ou outro – a uma grande derrota“. Ora, cabe indagar: existe algum momento em que as “disputas internas”, a “autoconstrução” e o “sectarismo” possam preponderar? Quer dizer que, até o dia 27 de outubro, quando explodiu a revolta no estacionamento da FFLCH, a autoconstrução e o sectarismo podiam prevalecer? Quer dizer que, depois que passar “esse momento” – supostamente quando a chapa já tiver sido eleita –, podem voltar a preponderância das divergências menores, o sectarismo e a autoconstrução.

A suposta disposição de “unidade” colocada dessa maneira tende a solapar as divergências que são saudáveis e fundamentais para o funcionamento do ME e o respeito a pluralidade de visões e perspectivas. Além disso, estar na entidade exige um grau de comprometimento com os estudantes. E esse compromisso exige um processo sério de formação de chapa, em que os marcos de atuação sejam delineados de maneira aprofundada, priorizando a formação e propostas concretas para o ME.

Portanto, o que explica esse chamado deve ser entendido por outras razões não expressas claramente. Da maneira como está colocada esta movimentação, ela corrobora muito mais com uma preocupação pragmático-eleitoral do que uma disposição real de construção coletiva e unidade cotidiana no ME.

Não acreditamos que apenas aqueles que compõem a gestão de uma entidade devem construí-la, mas ao contrário, a entidade deve ser legitimada e fortalecidas por todos que compõe o movimento, estando ou não dentro dela. Portanto, o fato da composição de chapas serem diferentes, não exclui a possibilidade da atuação cotidiana unitária.

Unidade é uma construção cotidiana, que exige muito mais do que discursos e intenções. Unidade exige generosidade, solidariedade, companheirismo; exige a subordinação da autoconstrução à construção do movimento; exige a total negação da autoproclamação. Falar de unidade agora, só no momento da eleição, e dessa forma, soa mais como um ato desesperado de quem não quer de jeito nenhum deixar o DCE, ou de quem quer entrar no DCE a todo custo, do que como uma vontade sincera de construir unidade. Ainda mais quando o argumento é barrar a direita, afinal, a direita já esteve muito mais forte do que agora, e, naquele momento, os grupos que assinam o chamado não tiverem nenhuma unidade entre si, ao contrário, só combateram um ao outro.

Nós acreditamos na unidade. Desde o ano passado, temos dito que a gestão deveria conversar com todos os CAs, mas também com todos os grupos de esquerda do movimento estudantil da USP, para buscar consensos, coesão, unidade, e a isso chamamos direção coletiva, pois um grupo ou mesmo uma coalizão de grupos não dirige sozinha o movimento estudantil da USP. Defendemos isso logo no começo da gestão, e a dirigente do Juntos! ironizou, dizendo que nós estávamos “teorizando sobre direção coletiva”.

A questão, portanto, é que foi justamente o prevalecimento da autoconstrução quedeixou um vazio político no movimento, e foi esse vazio, por sua vez, o que criou nos estudantes o rechaço ao DCE e o que os jogou no colo de grupos sectários e inconsequentes cuja ação fortalece a direita, impondo ao movimento um verdadeiro ciclo vicioso em que sectarismo de esquerda e conservadorismo de direita se retroalimentam. Foi assim em 2009 (quando o coletivo A USP que queremos esteve à frente do DCE) e está sendo assim neste momento.

Combater a direita é sem dúvida necessário e urgente. A questão é: qual é o caminho para combater a direita? Definitivamente não é a autoconstrução. Quem prioriza a autoconstrução, sobretudo estando à frente do DCE, está contribuindo para o fortalecimento da direita. Seria, portanto, o supra sumo da incoerência nós, a pretexto de combater a direita, que nesse momento não está mais forte do que ano passado e ano retrasado, compormos com aqueles que, em 2009 e agora, deram prioridade total para a autoconstrução. A única maneira de combater a direita é não deixar vazio político no movimento. É o DCE deixar de ser instrumento de autoconstrução dos grupos que o dirigem para voltar a ser instrumento de construção do movimento. Ou seja: é o DCE incentivar os CAs a passar em sala toda semana; é o DCE pautando e priorizando o combate ao autoritarismo da gestão Rodas, ao invés de priorizar “15O” e “Fora Ricardo Teixeira”; é o DCE estar presente nos campi do interior; em suma, é um DCE atuante, militante, presente. Que expectativa nós devemos ter de que uma possível gestão MES/CSOL/PSTU o fará se, quando tiveram a oportunidade, não o fizeram? 

Há um problema de fundo aqui. Existem correntes que atuam no movimento estudantil e que acreditam que existe uma alternativa para a sociedade: eles próprios. Daí sua prioridade ser a autoconstrução. Nada mais ilusório. Nenhum dos instrumentos que existem hoje no Brasil pode se considerar alternativa. A única alternativa é o povo (e os estudantes) se organizar e lutar pelos seus direitos. É somente no reascenso das lutas de massas que a própria classe trabalhadora formará os seus instrumentos. Cabe aos atuais instrumentos ajudar a classe nessa tarefa, e participar desse processo, mas não se autoproclamar o instrumento que guiará as massas no rumo da revolução. Ora, é justamente essa crença narcisista que está na base das atitudes e da conduta de muitos dos grupos que têm dirigido o DCE da USP desde pelo menos 2006. Daí que subordinam tudo à própria autoconstrução. O resultado não poderia ser outro: um DCE ausente, que não é referência, sendo rechaçado pelos estudantes, no bojo do qual crescem os grupos sectários e inconseqüentes, e com eles cresce a direita.

Durante este último período, através de debates nos diversos campi da USP, nos movimentamos com o objetivo de repensar as práticas do movimento, reformular seus caminhos e superar seus vícios. Não há como derrotar a direita nem a ultra-esquerda sem que se faça uma autocrítica profunda das nossas próprias posturas. Sem isso, o movimento não sairá do estágio em que se encontra.

Assim, reafirmamos o nosso compromisso de fazer avançar o movimento estudantil, não nos colocamos como a salvação para todos os problemas do ME, e sequer temos todas as respostas. Ao contrário, reconhecemos nossas insuficiências, e esse é o primeiro passo para a superação delas.

A disposição política da “Universidade em Movimento” não se restringe às eleições do DCE. Este é apenas um momento para dar amplitude a uma outra visão de como construir o Movimento Estudantil, mais democrático, plural, combativo, protagonizado pelas entidades estudantis e não baseado em relações artificiais entre os grupos. Entendendo a importância do ME como um movimento social que deve ser protagonista na construção de uma universidade menos elitista, privatista e antidemocrática, que ajude na superação dos problemas da nossa sociedade.

As críticas que fazemos aqui não são novas nem tampouco são exclusivamente nossas. Estamos apenas fazendo coro a um sentimento generalizado no interior do ME da USP. Mas,  por mais que tenhamos críticas aos coletivos que assinaram o “chamado”, fazemos questão de lembrar que esses coletivos não são nossos inimigos, mas nossos aliados. Temos claro quem são nossos inimigos: a Reitoria, o Governo do Estado, os interesses privatistas representados por ambos, e o patriarcado.  Nesse sentido, reiteramos nosso compromisso incondicional de não agredir a chapa dos/as companheiros/as, nem ofender, calunear e estigmatizar os companheiros/as pelas costas, nas mesas de bar, na pequena política, na picuinha, a pretexto de disputar militantes. Nos comprometemos a jogar toda a nossa energia no combate à direita, agora, durante a eleição, e depois da eleição. E esperamos o mesmo dos/as companheiros/as: se as/os companheiras/os do Juntos!Barricadas, Domínio Público e A USP que queremos têm de fato compromisso com a unidade da esquerda  e com o combate à direita tal como dizem no chamado, esperamos ver esse compromisso em prática já na campanha.

“Paz entre nós; guerra aos senhores”.

Universidade em Movimento

obs.: o chamado pode ser lido aqui: http://tinyurl.com/3ockl96

Publicado em 04/11/2011, em Nossos textos, Posicionamentos e marcado como , , , . Adicione o link aos favoritos. 1 comentário.

  1. Sou da filosofia do campus butantã e não digo que concordo com o texto todo, mas de fato ele evidencia o esvaziamento dos espaços das instâncias maiores de discussão e deliberação que não foram garantidos plenamente ao longo do ano e que são uma das consequências de não termos controle sobre a fragmentação do movimento estudantil. As decisões do movimento esse ano, foram de fato, concentradas em CCAs e pouco se decidiu em assembleias conjuntas e no movimento de base. Fizemos movimento de cúpula, não fizemos movimento de base e, portanto, não fizemos um movimento estudantil agregador! Espero que o “chamado à unidade” não seja reflexo de tempos de eleição em que o aparato político para os coletivos e partidos seja mais importante do que a unidade real da esquerda!

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